Pentecostes em o Novo e Antigo Testamento
Os corações de todos os católicos, caríssimos, reconhecem que a solenidade de hoje merece ser venerada entre as principais festas. Sem dúvida, inspira grande reverência este dia, consagrado pelo Espírito Santo com o excelente milagre do dom que ele fez de si mesmo. Décimo desde aquele em que o Senhor subiu acima de todos os céus para se assentar à direita de Deus Pai, refulge como qüinquagésimo em seu ponto de partida, a ressurreição, encerrando grandes mistérios dos antigos e dos novos sacramentos, que demonstraram manifestamente ter sido a graça prenunciada pela lei e a lei cumprida pela graça.
Outrora, ao povo hebreu libertado do Egito, no qüinquagésimo dia após a imolação do cordeiro, a Lei foi dada no monte Sinai (Êx 19,17). Assim, no qüinquagésimo dia, após a paixão de Cristo na qual foi morto o verdadeiro Cordeiro de Deus, desceu sobre os apóstolos e o povo fiel o Espírito Santo (At 2,3). Reconheça, pois, facilmente o cristão zeloso terem os fatos iniciais do Antigo Testamento servido de começo ao Evangelho e haver sido a segunda Aliança travada pelo mesmo Espírito que instituíra a primeira.
Instruídos de modo admirável os discípulos
Atesta a história dos apóstolos: “Ao chegar o dia de Pentecostes, achavam-se todos eles reunidos no mesmo lugar, e veio subitamente do céu um ruído semelhante a um sopro de vento impetuoso, que encheu toda a casa onde eles habitavam. E apareceram-lhes línguas divididas à maneira de fogo, e repousou uma sobre cada um deles; e ficaram todos eles cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito Santo lhes concedia que se exprimissem” (At 2,1-4).
Como é veloz a palavra da sabedoria! Quão depressa se aprende o que é ensinado quando Deus é o mestre! Não foi preciso haver tradução para ser entendida, nem prática para ser utilizada, nem tempo para ser estudada. O Espírito da verdade soprou onde quis (Jo 3,8), e as línguas próprias de cada povo, tornaram-se comuns, nos lábios da Igreja.
Foi nesse dia, pois, que começou a ressoar a trombeta da pregação evangélica; desde então houve a chuva de carismas e rios de bênçãos a irrigarem o deserto e a terra árida porque a fim de renovar a face da terra “o Espírito de Deus sobre as águas adejava” (Gên 1,2) e para dissipar as antigas trevas coruscaram os fulgores de uma nova luz, quando pelo esplendor das línguas brilhantes, foi concebido o verbo luminoso do Senhor, palavra de fogo, possuidora de eficácia para iluminar e de força para queimar, despertando o entendimento e consumindo o pecado.
Perfeita igualdade das três Pessoas
Embora, caríssimos, a própria forma de realização tenha sido admirável, e não se duvida que naquele uníssono exultante de todas as vozes humanas tenha estado presente a majestade do Espírito Santo, ninguém pense que a sua substância divina tenha aparecido na forma que os olhos corporais puderem perceber. A natureza invisível, comum também ao Pai e ao Filho, mostrou pelo sinal escolhido a qualidade de seu dom e de sua obra. Manteve, porém, oculta a propriedade de sua essência em sua divindade, pois, do mesmo modo que nem ao Pai, nem ao Filho, igualmente nem ao Espírito Santo pode o olhar humano atingir.
Na Trindade divina nada é dessemelhante, nada desigual. Tudo quanto se pode cogitar sobre aquela substância não difere em poder, glória ou eternidade. Quanto às propriedades pessoais, uma é a Pessoa do Pai, outra a do Filho e outra a do Espírito Santo, contudo não é diferente a divindade,nem a natureza diversa. Se, na verdade, do Pai é o Filho unigênito, e o Espírito Santo é espírito do Pai e do Filho, não porém como qualquer criatura é do Pai e do Filho, ele o é enquanto com ambos vive e pode e subsiste eternamente naquilo que é o Pai e o Filho.
O Senhor, por isso, na véspera de sua paixão, prometendo aos seus discípulos a vinda do Espírito Santo, disse: “Teria ainda muitas coisas a dizer-vos, mas por agora não estais em condições de as compreender. Quando, porém, ele vier, o Espírito da verdade, guiar-vos-á por toda a verdade. É que não vos falará por si mesmo, mas falará de quanto ouve e enunciar-vos-á as coisas vindouras. Ele glorificar-me-á porque receberá do que é meu, para vo-lo anunciar. Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso eu disse que ele receberá do que é meu, para vo-lo anunciar” (Jo 16,12-15).
O Pai, portanto, não possui algo de diverso do Filho, ou o Pai e o Filho do Espírito Santo. Mas, tudo o que tem o Pai, tem-no igualmente o Filho, tem-no o Espírito Santo. Sempre na Trindade houve esta comunhão, porque nela ter tudo é o mesmo que sempre existir. Não se pense a seu respeito em qualquer tempo, grau ou diferença; e se ninguém pode explicar o que Deus é, ninguém ouse afirmar dele coisa diversa do que é. É mais desculpável não falar da natureza inefável o que ela merece do que asseverar o que lhe é contrário. Tudo o que os corações piedosos puderem conceber sobre a eterna e imutável glória do Pai, entendam-no inseparavel-mente e sem distinção também do Filho e do Espírito Santo.
Confessamos, portanto, que esta bem-aventurada Trindade é um só Deus, porque nas Três Pessoas não há diferença alguma de substância, de poder, de vontade ou de operação.
Erros dos macedonianos
Detestamos os arianos, que querem haja alguma distância entre o Pai e o Filho. Detestamos também os macedonianos que, apesar de admitirem a igualdade entre o Pai e o Filho, julgam que o Espírito Santo é de natureza inferior, não considerando estarem incorrendo na blasfêmia que não será perdoada no século presente, nem no futuro juízo, pois disse o Senhor: “Aquele que falar contra o Filho do homem ser-lhe-á perdoado; mas, a quem falar contra o Espírito Santo, não lhes será perdoado, nem neste século, nem no futuro” (Mt 12,32). Quem permanece nessa impiedade não tem perdão por excluir aquele que poderia testemunhar em seu favor e jamais alcançará o remédio da indulgência, por não ter advogado que o patrocine.
Do Espírito Santo provém a invocação do Pai, as lágrimas dos penitentes, os gemidos dos suplicantes: “Ninguém pode dizer: ‘Jesus é o Senhor’ senão pelo Espírito Santo” (1Cor 12,3). O Apóstolo prega claramente que a onipotência deste é igual à do Pai e à do Filho e uma só é a divindade, dizendo: “Ora há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos” (1Cor 12,4-6).
O Espírito santificador, na Igreja
Por meio destas e de inúmeras outras provas, pelas quais corusca a autoridade das palavras divinas, incitem-nos a unanimemente celebrar o Pentecostes, exultando em honra do Espírito Santo que santifica toda a Igreja católica, instrui todos os espíritos racionais. Ele é inspirador da fé, doutor da ciência, fonte da dileção, sinete da castidade, causa de todas as virtudes.
Alegrem-se os corações de todos os fiéis, porque no mundo inteiro é louvado e confessado por todas as línguas o Deus único, Pai, Filho e Espírito Santo. O significado da figura do fogo, que apareceu persiste por sua operação e por seu dom. O mesmo Espírito da verdade faz brilhar a morada de sua glória no esplendor de sua luz, e nada quer em seu templo de tenebroso ou de tépido.Seu auxílio e seu ensinamento já nos obtiveram a purificação pelos jejuns e as esmolas. Segue-se a este dia venerável uma observância salutar, cuja utilidade todos os santos sempre experimentaram.
Nossa solicitude pastoral nos leva a exortar-vos a praticá-la com ardor, de modo que se, nesses últimos dias, alguém houver contraído algumas máculas por negligência incauta, penitencie-se com o jejum e emende-se com a devoção da piedade.
Jejuemos, portanto, quarta e sexta-feira; sábado com a devoção de costume celebremos as vigílias.
Por Jesus Cristo nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina nos séculos dos séculos. Amém.
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