COLETAS - PARTE 4



Advertência contra as artimanhas do demônio que procura anular a fé ou as obras

Caríssimos, a misericórdia e a justiça de Deus nos foram desveladas e explicadas, em sua grande bondade, pelo ensinamento de nosso Senhor Jesus Cristo, quais recompensas ele reservou, desde a criação do mundo para atribuir àqueles que, acreditando nas coisas futuras, já as aceitassem como realizadas.

Nosso Redentor e Salvador sabia, com efeito, quantos erros a falsidade do diabo havia semeado em todo o mundo e que grande parte do gênero humano ele submeteu à inúmeras superstições. Mas, para que a criatura formada à imagem de Deus, por ignorância da verdade, não fique jogada por mais tempo nos abismos da morte eterna, inseriu nas páginas do evangelho a maneira de seu julgamento, a fim de desviar através disso o homem das insídias do mais ardiloso inimigo: porque, a partir daí ninguém mais ignoraria tanto as recompensas que poderiam ser esperadas pelos bons, quanto os castigos que deveriam ser temidos pelos maus. Este provocador e pai do pecado, a princípio, bastante orgulhoso para cair, em seguida invejoso bastante para prejudicar, não tendo permanecido na verdade, pôs toda a sua força na mentira, fazendo sair desta fonte envenenada de suas artimanhas todos os gêneros de decepções: desta forma ele desejou excluir da bondade humana a esperança daquele bem que perdeu pelo próprio orgulho, arrastando para uma condenação comum aqueles com quem ele não podia dividir a reconciliação. Portanto, se um homem, qualquer que seja, ofende a Deus por qualquer tipo de pecado, é porque ele foi arrastado pelo engano deste inimigo e pervertido pela sua malícia. Com efeito, para ele é fácil induzir à qualquer devassidão aqueles que enganou, sob o pretexto da religião. Sabendo, porém, que Deus pode ser negado não só por palavras como também por atos, ele destruiu o amor naqueles nos quais ele não pôde anular a fé; e, uma vez ocupado o campo do seu coração pelas raízes da avareza, privou do fruto das obras aqueles que não pôde privar da proclamação da fé.

Sabendo como será o julgamento, o cristão deverá usar de misericórdia e ser generoso para com os pobres

Caríssimos, por causa das artimanhas do antigo inimigo, a bondade inefável de Cristo quis que soubéssemos como será o julgamento da humanidade inteira, no dia da retribuição, de modo que, oferecendo no tempo presente os remédios legítimos, não recusando oferecer a reparação aos que caíram, permitindo-lhes, àqueles que há muito eram estéreis, pudessem finalmente tornar-se fecundos, ele decide desta forma prevenir o exame decretado por sua justiça, não permitindo jamais que a imagem do julgamento divino se afaste dos olhos do coração. Com efeito, o Senhor virá na glória de sua majestade, como ele mesmo predisse, e, uma multidão incontável de legiões angélicas o acompanhará, radiante de esplendor. Os povos de todas as nações serão reunidos diante do trono de seu poder e todos os homens nascidos ao longo dos séculos sobre a face da terra se prostrarão na presença do juíz. Os justos serão separados dos injustos; os inocentes, dos culpados; os filhos da misericórdia receberão o reino preparado para eles, apuradas as suas boas obras, enquanto será recriminada aos injustos a dureza de sua esterilidade; e os da esquerda, nada tendo a ver com os da direita, serão enviados, pela condenação do juíz todo-poderoso, ao fogo preparado para os tormentos do diabo e de seus anjos: eles serão associados à pena daquele de quem escolheram fazer a vontade.

Portanto, quem não temeria participar destes tormentos eternos? Quem não teria medo dos males que jamais terminarão?

Mas, a severidade uma vez anunciada para que se procure a misericórdia, compete a nós, nos diasatuais, exercer esta misericórdia com generosidade para que cada um, retomando a prática das boas obras, depois de perigosa negligência, torne possível libertar-se desta sentença. Com efeito, é pelo poder do juíz, pela graça do Salvador que o ímpio abandona seus caminhos e que o pecador se afasta do hábito da sua maldade. Que sejam misericordiosos com os pobres aqueles que querem para si o perdão de Cristo. Que estejam prontos para alimentar os pobres, aqueles que desejam chegar à sociedade dos bem-aventurados. Que o homem não seja vil perante outro homem, nem em algum deles seja desprezada aquela natureza que o Criador fez sua. A qual dos necessitados é permitido negar aquilo que Cristo afirma que é dado a ele mesmo? Ajuda-se o companheiro de trabalho e é o
Senhor quem diz obrigado. O alimento dado ao pobre é o preço do reino dos céus e aquele que distribuir os bens temporais, torna-se herdeiro dos eternos. A partir do que se deduz que esses modestos recursos têm um preço tão alto a não ser porque o peso das obras é obtido pela balança da caridade e que quando o homem ama aquilo que agrada a Deus merece ser elevado ao reino daquele de quem ele assume os sentimentos?

O que doa aos pobres alcança libertação da condenação

Caríssimos, é para estas obras, portanto, que a instituição apostólica solicita nossa piedosa atenção neste dia em que a primeira destas santas coletas foi, oportunamente, instituída pela prudência dos Padres: porque outrora os povos pagãos se entregavam em épocas semelhantes a um culto mais supersticioso para com os demônios, eles quiseram que a santa oferenda das nossas esmolas fosse celebrada contra as oferendas dos ímpios. Esta prática, revelando-se frutuosa para o progresso da Igreja, pareceu conveniente torná-la uma instituição.

Assim, nós exortamos vossa santidade a trazer na próxima quarta-feira, para as igrejas de vossas regiões, dentre vossos recursos aquilo que aconselha a possibilidade e a vontade, para a distribuição da misericórdia, para que possais merecer a felicidade da qual gozará sem fim “quem pensa no fraco e no indigente” (Sl 40,1). E para percebê-lo, caríssimos, é preciso estar atento com uma incansável caridade, a fim de que possamos encontrar aquele que esconde sua modéstia ou que retém sua vergonha. Com efeito, existem aqueles que coram ao solicitar publicamente aquilo de que precisam e que preferem sofrer mais, em silêncio, sua indigência do que serem confundidos por um pedido público. É preciso pois, percebê-los e satisfazer suas necessidades ocultas a fim de que eles tenham maior alegria nisto do que com a descoberta de sua pobreza e de seu pudor.

Mas, teremos razão de reconhecer no indigente e no pobre a própria pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo que, como diz o Apóstolo, “embora fosse rico, para vos enriquecer com sua pobreza, se fez pobre” (2Cor 8,9). E para que sua presença não nos pareça faltar ele acomodou de tal forma o mistério de sua humildade e de sua glória que nós podemos alimentá-lo nos pobres, ele que nós adoramos como Rei e Senhor, na majestade do Pai: isto nos conseguirá no dia mau a liberação da condenação perpétua, e pelo cuidado dado ao pobre que nós percebemos, seremos admitidos a participar do reino celeste.

Evitar e denunciar os heréticos como parte das boas obras

Caríssimos, para que vossa devoção possa em tudo agradar ao Senhor, exortamo-vos também a usar de esperteza para tornar os maniqueus conhecidos de vossos presbíteros, onde quer que eles se escondam. É prova de grande compromisso desvelar os esconderijos dos ímpios e de combater neles o diabo a quem servem. É preciso, na verdade, caríssimos, que toda a terra e toda a Igreja espalhada em todos os lugares, empunhe contra eles as armas da fé; mas vossa entrega a Deus deve transcender nesta missão, vós que na pessoa de vossos antepassados recebestes o evangelho de Cristo da própria boca dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo. Não permitamos que fiquem escondidos homens que não crêem na lei deixada por Moisés, através da qual Deus se mostrou autor do universo; eles contradizem os profetas e o Espírito Santo, ousam rejeitar com impiedade condenável os salmos de Davi cantados fervorosamente pela Igreja inteira; negam o nascimento do Cristo Senhor, segundo a carne; dizem que sua paixão e sua ressurreição foram simuladas, não verdadeiras; o batismo, eles o despojam de toda a graça e eficácia, o batismo de regeneração. Para eles, nada é santo, nada íntegro, nada verdadeiro. É preciso evitá-los para que não façam mal a ninguém; é preciso denunciá-los para que não subsistam em nenhuma parte de nossa cidade.

Aquilo que nós ordenamos, aquilo que nós pedimos, ser-vos-á útil, caríssimos, diante do tribunal do Senhor. Com efeito, é digno que na oferta das esmolas se acrescente também a palma desta boa obra; auxiliando-vos em tudo, o Senhor Jesus Cristo, que vive e reina no século dos séculos. Amém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário