ASCENÇÃO DE CRISTO - PARTE 2

 


A ascensão é nossa alegria; aumenta-nos a fé e a esperança

O mistério de nossa salvação, caríssimos, que aquele, por quem foi criado o universo, avaliou pelo preço de seu sangue, realizou-se num desígnio de humildade, desde o dia do nascimento corporal até o termo da paixão. E embora da natureza de servo já se irradiassem muitos sinais da divindade, aquele período propriamente serviu para demonstrar ser verdadeira a humanidade que ele assumira. 
Depois da paixão, contudo, rompidas as cadeias da morte, que perdera seu vigor atacando quem não podia conhecer o pecado, a fraqueza mudou-se em força, a mortalidade em eternidade, o opróbrio em glória. 
Nosso Senhor Jesus Cristo deu desta glória numerosas e manifestas provas e evidenciou-a a muitos, até introduzir também nos céus o triunfo da vitória que obtivera dentre os mortos. 
Se, na solenidade pascal, a ressurreição do Senhor foi causa de nossa alegria, sua ascensão aos céus é motivo presente de gáudio, enquanto rememoramos e veneramos devidamente aquele dia em que a humildade de nossa natureza em Cristo foi elevada acima de todas as milícias do céu, das ordens dos anjos, além dos postos excelsos de todas as potestades, ao trono de Deus Pai. 
Estas obras divinas nos consolidam, nos edificam, porque tanto mais admirável se torna a graça de Deus, quanto, apesar de distante dos olhares humanos o que incute reverência, a fé não hesita, a esperança não vacila, não se esfria a caridade. Próprio do vigor dos grandes espíritos e luz das almas bem fiéis é crer firmemente o que não se vê com os olhos corporais, fixar o desejo onde o olhar não penetrar. 
Como nasceria a piedade em nossos corações ou como seria alguém justificado pela fé, se nossa salvação consistisse apenas no que é visível? Por isso, disse o Senhor àquele que parecia duvidar da ressurreição de Cristo se não pudesse verificar pela vista e pelo tato as cicatrizes da paixão em sua carne: “Creste porque viste. Felizes os que crêem sem terem visto!” (Jo 20,29).

Cristo subiu aos céus para nos tornar capazes da bem-aventurança. O que era visível, agora passou para os mistérios

A fim de sermos capazes, caríssimos, desta felicidade, nosso Senhor Jesus Cristo, tendo consumado a pregação evangélica e os mistérios do Novo Testamento, no quadragésimo dia após a ressurreição, diante de seus discípulos, elevou-se aos céus (Lc 24,51; Mc 16,19). Pôs termo à sua presença corporal, havendo de permanecer à direita do Pai até que decorram os tempos determinados por Deus para se propagarem os filhos da Igreja, e ele volte a fim de julgar os vivos e os mortos, no mesmo corpo com o qual subiu. 
Tudo o que havia de visível em nosso Redentor, passou para os mistérios. 
Para tornar a fé melhor e mais firme, à visão sucedeu a doutrina, a cuja autoridade obedeceriam os corações dos fiéis iluminados pelos raios vindos do alto. 

Fé de tal modo fortificada pela ascensão, que nenhum tormento pôde superar, mesmo nas crianças

Nem vínculos, nem cárceres, nem exílios, nem fogo, nem dilaceramento das feras, nem suplícios requintados da crueldade dos perseguidores atemorizaram esta fé, aumentada pela ascensão do Senhor e fortificada pelo dom do Espírito Santo. Por ela, em todo o mundo, não só os homens, mas ainda as mulheres, não somente os meninos, mas também as frágeis virgens, combateram até a efusão do próprio sangue. 
Tal fé expulsou os demônios, curou as doenças, ressuscitou os mortos. 
Até os santos apóstolos que, apesar de confirmados com tantos milagres, instruídos com tantos sermões, se haviam horrorizado com a atrocidade da paixão do Senhor, e não tinham aceitado sem hesitação a realidade da ressurreição, fizeram tal progresso com a ascensão de Cristo que tudo o que antes lhes incutira medo se converteu em alegria. A contemplação de seu espírito atingiu a divindade daquele que se assentara à direita do Pai. Já não se retardavam no objeto da visão corpórea, dirigindo a atenção da mente para quem ao descer não se afastara do Pai, nem se apartara dos discípulos ao subir. 

Maior “presença” pela divindade após a ascensão. Significado das palavras dos anjos

O filho do homem, Filho de Deus, caríssimos, se revelou de modo mais excelente e sagrado quando se recolheu à glória da majestade paterna. Mais distante pela humanidade, de maneira inefável começou a estar mais presente pela divindade. Então, a fé mais esclarecida, pelos passos do espírito foi acedendo ao Filho, igual ao Pai, sem necessitar tocar a substância corpórea de Cristo, pela qual é menor do que o Pai. 
Manteve sua natureza, o corpo glorificado; a fé dos fiéis era convidada até onde podia atingir o Unigênito igual ao Pai, não com as mãos corporais, mas com o entendimento espiritual. 
Por tal motivo, o Senhor, depois da ressurreição, disse a Maria Madalena, quando esta, representando a Igreja, se precipitou para tocá-lo: “Não me retenhas porque ainda não subi para o Pai” (Jo 20,17), isto é, não quero que venhas corporalmente para junto de mim, nem me reconheças por meio dos sentidos. Conduzo-te a realidades mais sublimes. Preparo-te bens maiores. Quando subir a meu Pai, então com mais perfeição e verdade tocar-me-ás, havendo de aprender o que não apalpas e crer no que não vês. 
Quando os olhos dos discípulos, cheios de admiração e atenção, se erguiam e acompanhavam o Senhor que subia aos céus, apareceram diante deles dois anjos, fulgurantes na brancura admirável das vestes, que disseram: “Homens galileus, por que estais a olhar para o céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o céu, assim há de vir, da mesma maneira que o vistes ir para o céu” (At 1,1). Tais palavras davam a conhecer a todos os filhos da Igreja a necessidade de crerem que Jesus Cristo há de voltar visivelmente no mesmo corpo com o qual subiu. Não podem duvidar de que tudo está sujeito àquele a quem desde o seu nascimento corporal os anjos prestaram serviço. 
O anjo anunciou à bem-aventurada Virgem que Cristo haveria de ser concebido do Espírito Santo. 
Quando nasceu da Virgem, também a voz dos anjos celestes cantou para os pastores. Os primeiros testemunhos dos mensageiros do alto ensinaram que ele havia ressuscitado dos mortos. Assim igualmente o ministério dos anjos apregoou que há de vir na própria carne para julgar o mundo. Podemos compreender quantas potestades serão assessoras no juízo, se, ao ser julgado, tantas o serviram. 

Peregrinos, como nos estimula a ascensão de Cristo, desprezemos as coisas terrenas, e aproximemo-nos, enriquecidos pela caridade, de Cristo

Exultemos, portanto, caríssimos, com gáudio espiritual e alegrando-nos junto de Deus com adequadas ações de graças, levantemos os desimpedidos olhos de nossos corações às alturas onde Cristo se encontra. Os desejos terrenos não deprimam os espíritos chamados para o alto. Não ocupem as coisas perecíveis os predestinados à eternidade. Os atrativos enganadores não retardem os que ingressaram no caminho da verdade. Os fiéis atravessem os tempos reconhecendo-se como peregrinos no vale deste mundo. Se aqui, certas comodidades atraem, não sejam perversamente abraçadas, mas com fortaleza, se passe além. O apóstolo são Paulo incita-nos a tal fervoroso devotamento e admoesta-nos com a caridade que, a fim de apascentar as ovelhas de Cristo nele nasceu pela tríplice profissão de amor ao Senhor: “Caríssimos, exorto-vos, como a estrangeiros e peregrinos cá embaixo, a abster-vos dos desejos carnais, que guerreiam a alma” (1Pd 2,11). Em favor de quem milita, as volúpias carnais senão do diabo, que se compraz em prender aos deleites dos bens corruptíveis, as almas que tendem aos supernos, e subtrair-lhes os tronos por ele perdidos. Todo fiel sabiamente vigie contra as suas insídias para poder vencer a tentação do inimigo. 
Nada é mais forte, caríssimos, contra os dolos do diabo do que a benignidade da misericórdia e as larguezas da caridade, pelas quais se evita ou se vence todo pecado. Não é possível, contudo, apreender a sublimidade desta virtude antes de ser derrotado o adversário dela. Que há de mais avesso à misericórdia e às obras de caridade do que a avareza, de cuja raiz brotam todos os males? 
Se não for sufocada no que a fomenta, necessariamente no campo do coração, onde a planta deste mal se arraigou, nascerão os espinhos e abrolhos dos vícios, em vez de semente da verdadeira virtude. 
Resistamos, pois, a tão pestífero mal, caríssimos, e sigamos a caridade, sem a qual virtude alguma pode brilhar (1Cor 13). 
Pelo caminho da caridade, por onde desceu Cristo até nós, possamos subir até ele; ao qual com Deus Pai e o Espírito Santo, honra e glória nos séculos dos séculos. Amém

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